sexta-feira, 28 de maio de 2010

Fragmento I


A aurora é dura e rigorosa. Temo pelo dia, temo pela noite, sou um temeroso esperto e sagaz, mas temo, temo, inclusive, a possibilidade de não temer, de seguir como suicida covarde, esperando que alguém faça comigo o que não tenho coragem de fazer com minhas próprias mãos. Sou uma canção louca, um micróbio macrocósmico enfiado na lama recifense ignorando os pedidos de esmolas, os oferecimentos vaginais das putas pelos becos, pontes, avenidas, enfim, ignoro a miséria financeira e espiritual para me sentir melhor, para me sentir mais livre numa cidade que me prende com as raízes aéreas da vegetação dos manguezais. Já é noite, basta uma vírgula, basta um ponto final para que o dia vire noite em meu repente prosaico.

Encaro a miséria sendo vista como brincadeira de criança pelas madames pseudo-caridosas que chupam os meninos de rua em anti-higiênico fetiche, bêbadas, forçando um sotaque francês para parecerem mais caridosas ainda, pois, uma coisa é ser caridosa, outra coisa é ser caridosa falando francês. Mas não me lembro bem onde, não lembro quando, não lembro como. Minha amnésia que, diga-se de passagem, não foi provocada nenhuma droga, medicamento ou pancada, é uma amnésia ontológica, existencial em sua essência.

Caminho pela ponte giratória, minutos atrás, estava eu e um amigo bebendo aguardente com limão no beco da fome, eram 11:30 da noite quando chegamos lá, num Domingo onde não me sentia criança, como Chico Science cantarolava, me sentia um velho, um velho com ¼ de século, escutando a tv do bar, o único nas redondezas aberto, junto com um bom amigo, vendo as moças cults residentes no bairro da Boa Vista em suas conversas redundantes, apresentando seus conceitos completamente desassociados da realidade. Também pudera, o máximo de aproximação com a realidade propriamente dita é a masturbação feita num garoto de 13 anos que a pede esmola. Um troca de favores simples e comum nessa cidade, Recife, Hellcife para os mais íntimos. Minha amada cidade, meu tema e meu lema.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Menina Oxum



Menina que foge, inconsciente
Desse meu amor tão decente
Cheia de medo de o mundo enfrentar

Eu sei que estás triste e doente
Pois enfeitiçaram a tua mente
Mas tua cura eu vou buscar no gongá

É Cachoeira, é Rio Preto
É Dendê...
É a força da Jurema
É Saravá!

Pois Oxum é a tua mãe que respeito
E em meu peito, também Yemanjá
Junto à luz do teu pai, Oxalá

Te aviso que essa demanda cruzada
Eu enfrentarei, menina, até o fim
Pois que deve a Deus, paga a Deus
Quem deve a mim, paga a mim!