terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Carnaval no Haiti


Eis que me vejo, em plena ladeira de Port au Prince, seguindo um bloco animado por uma marcha fúnebre, presenciando casais, ora hétero, ora homossexuais, transando ao ar livre por entre os escombros da cidade arrasada. Sinto que eles não se importam se estão sendo observados, muito menos se estão chocando aqueles que por ali passam. Boa parte não se importa, sequer, com o fato de que muitos de seus parceiros e parceiras sequer querem praticar o ato, ali estando somente por conta da força que uma pistola, carregada ou não,encontrada por entre os escombros da casa de algum policial, ladrão ou ambos, pode exercer.

É neste cenário que avisto, ao longe, uma negra, peluda e enorme perna, por entre as ruínas. Seria a famigerada Perna Cabeluda que, outrora, aterrorizava a cidade do Recife com suas ações devidamente narradas por Jota Ferreira e citadas musicalmente por Chico Science? Estaria eu, em pleno Haiti, diante de uma lenda urbana de minha querida cidade?

A curiosidade moveu-me em êxtase da direção da tal perna. Me afastei da também extasiada (de forma fúnebre) multidão, me aproximando mais e mais, enfrentando o mau cheiro de Port au Prince que, em alguns momentos, lembra o de Recife. Vou passando por entre pessoas doentes, mutiladas, desabrigadas e semi-mortas, que tentam se agarrar ao meu corpo, iludidos pela minha fantasia de médico, da qual apenas a máscara me era realmente útil.

A cada passo, lágrimas para onde eu olhava, corpos em decomposição, Cristos aos milhares nesta Jerusalém às avessas. O mau cheiro só aumentando, pior do que o último dia de Carnaval nas urinadas ladeiras de Olinda.

É quando, ao chegar realmente perto, percebo que a tal perna não tem vida. Provavelmente teve de ser retirada para que seu dono pudesse sobreviver e ali mesmo foi deixada.

Eis que percebo que a Perna Cabeluda não passa de uma lenda. Ao contrário daquela. E que ela, quem sabe, poderia ter sido a de Pelé.

Nenhum comentário:

Postar um comentário