segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Amor de Mordaça: O Encanto (Fragmento VIII)



Ululantemente, com o passar dos dias, uma aproximação gradativa vai acontecendo. Eu quero retirar dela e de mim as mordaças, colocadas pelo medo e pela insegurança dela. Quero gritar e viver o amor que sinto. Não sei se, tal como Cícero dizia, o amor é o desejo de alcançar a amizade de uma pessoa que nos atrai pela beleza. O que sei é que quero ser e fazê-la feliz e preciso, óbvio, de sua ajuda para alcançar esse objetivo.

Por sorte, seu cangote se transforma num local onde visito com minhas narinas e lábios numa freqüência cada vez maior. Ela diz que meu ato é inapropriado, mas sinto que ela gosta do meu toque, ela confessa, inclusive, que sente saudades, não de mim, mas de meus abraços. Após dizer isso ela sempre dá um Sorrisinho Sarcástico de Maconheirinha Imatura que só ela sabe dar. Vou sentindo o iceberg derretendo aos poucos, até o dia em que a chamo para ficarmos juntos num lugar mais tranqüilo, num lugar que não era, mas ao mesmo tempo era, só nosso. O laguinho da universidade.
 
Já é noite, acontece uma calourada ao longe, conversamos por um bom tempo, tento me aproximar, mas tenho medo de avançar demais, de, tal como Baggio, cobrar o pênalti nas alturas. Bons pênaltis são cobrados às vezes no meio do gol, rasteiro e devagar. Basta o goleiro não defender. Basta você prestar atenção para que lado ele vai cair. Percepção, frieza e instinto: essas são as qualidades de um batedor perfeito. 

Modéstia a parte, bolas paradas sempre foram a minha especialidade, e pênaltis, o meu virtuosismo supremo. A sorte é conseqüência da competência. O fato é que eu estava, realmente, prestes a bater um penal baseado apenas no instinto. E o faço: em meio a nossa conversa roubo-lhe um beijo.  

O beijo é parcialmente correspondido e duplamente criticado. Primeiramente ela o critica pelo fato de ter acontecido, segundo pelo fato de que, para ela, eu não sei beijá-la da maneira que ela gosta. Continuamos nos beijando, ela, com o tempo, passa a criticar apenas o fato de eu não beijá-la bem. “Você não aprende!”. Essa foi a frase mais escutada por mim naquela noite. Ela diz que não estava preparada para um beijo meu, que não era para aquilo estar acontecendo, que ela não sabia se estava gostando ou não, que não sabia quais seriam as conseqüências daquele ato. De qualquer forma, ela continuou me beijando, continuou reclamando de meu beijo e eu, tentando beijá-la da forma que ela gostava. Eu estava em órbita. Eu era o seu satélite. E ela sequer beijava bem. 

Digamos que fechei os olhos, chutei, a bola bateu nas duas traves, nas costas do goleiro e entrou. Essa bendita noite, infelizmente, chega ao fim, mas eu saio dela achando que consegui o impossível. Esse beijo torna se um divisor de águas em nossa relação, a convido, no fim de semana, para sairmos e conversarmos mais um pouco. Obviamente que, dessa vez, eu deixei claro que significaria algo se ela aceitasse. Depois de insistir, consigo sair novamente com ela. Contudo parece que ela se transformou numa outra pessoa, parece que o gelo voltou a tomar conta desse coração, mas sinto que tinha sido o medo, receio de se relacionar novamente, de se machucar novamente, enfim, temor de uma nova desilusão.  

Puta que o pariu, e eu? No espaço de um ano tive três enormes desilusões, incluindo meu casamento. As desilusões já faziam parte de minha história, mas eu estava ali, buscando minha felicidade, e nem me venham com aquele papo de que não se pode depender de outros para ser feliz. “Para mim, o maior suplício seria estar só no paraíso”, assim disse Goethe, numa das frases mais felizes de um pensador até hoje. Precisamos uns dos outros para que sejamos felizes de verdade, a felicidade solitária não passa de uma boa auto-resolução recheada de auto-enganação. Os que crêem não necessitar mais do outro se tornam (ou já são) intratáveis! 

Eu preciso dela para ser feliz, fato! Outra coisa evidente é que, durante esse nosso encontro, ela não me beija, foge de minhas investidas como o diabo da cruz. Lembra-me por alguns instantes a moça que odiei semanas antes no bar da  Rua da Moeda. Tento insistentemente trazê-la até mim, tento fazer com que aquele beijo se repita, tento fazê-la sair novamente da Profana e Estorvante Cabana do Medo. Local onde ela fazia morada após suas relações doentias com pessoas doentes, ridículas e ingratas. Fica bem claro, com todas as reações demonstradas desde o momento em que eu a conheci até aquela hora, que ela se trata de uma doente (afinal, o medo é uma doença), mas não me parece ser nem ridícula, nem ingrata. 

Depois de algum tempo ela revela que contou sobre o nosso beijo para o tal amigo da Noite da Discórdia e para o seu primo (que tempos depois descubro serem um cara que é afim dela e um viadinho, respectivamente), além de ter dito a sua amiga sapatão e a outra amiga (que descubro tratar-se também de uma outra lésbica apaixonada por ela).  

O resultado havia sido desastroso. “Você é lésbica, lembre-se disso!”, assim ela havia sido recriminada por eles (exceto, óbvio, pelo rapaz, a quem não interessava a continuidade de minha amada no planeta das “entendidas”) que todos haviam achado um absurdo. Confesso com todas as letras: um ser homofóbico começa a nascer em mim.  

Ela também revela mais detalhes sobre a depressão da qual ela sofre. Que toma remédios um tanto quanto pesados e que isso afeta o seu humor de uma forma considerável. Mais uma depressiva em minha vida, por sinal. Começo a achar que todas as mulheres do mundo sofrem desse mal. Começo a realmente perceber que a missão é mais dura do que eu imaginava. Na verdade, a mais dura que eu já havia enfrentado. Mas eu não estava disposto a perder por W.O. 

Eis que a noite e o encontro acabam, antes de ir embora, eu a abraço, dou lhe um beijo em seu Pescocinho de Algodão-doce, e digo-lhe, ao pé do ouvido, que a amo e que nunca vou desistir desse amor. Tudo isso sob a vista de seu pai, o qual eu não havia percebido estar ou não perto o suficiente para escutar o que eu tinha dito, da forma com a qual eu havia dito. Foda-se!

Depois do tal encontro, volto para a casa dos meus pais, deito em minha rede, volto a assistir alguns episódios de “Wonder Years”, volto a derramar algumas lágrimas, não só por causa da série, mas por algo que aperta o meu peito como se fora uma imagem de um coração esmagado por uma mão branca, tal como está exposta em seu perfil no tal site de relacionamento onde comecei a ter quase conversas com ela. O lance é que retomo à melancolia do outro dia e sofro por achar que algo me diz que o sonho acabou. Que o juiz anulou o gol.
(continua...)

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