segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Amor de Mordaça: O Encanto (Fragmento V)


Eis que o grande momento se aproxima. O importante é que estou, agora, no tal shopping e chega a hora marcada. Subo as escadas rolantes do lugar e vejo de forma gradativa algo que me machuca profundamente: ela, abraçada de forma extremamente íntima com um cara que eu nunca tinha visto na vida, sentada à mesa junto com a amiga do outro dia.

A morte me cairia bem, seja ela a impossibilidade da possibilidade ou a possibilidade da impossibilidade. Mas, infelizmente, sigo vivo e com a visão em perfeito estado. Sigo vendo o tal rapaz fazendo carícias em seu ombro e pescoço. “Oh, mas como é amargo olhar a felicidade pelos olhos de um outro homem!”. Isso, Orlando (ou Wilde)... é foda mesmo!

Vejo, porém, o rosto dela intranqüilo e num quase-choro ou num pós-choro. Não conseguia discernir com exatidão, assim como eu não conseguia entender o que eu sentia, se eu a amava ou a odiava naquele momento digno de esquecimento. A única coisa que eu tinha a absoluta certeza era a de que, realmente, o inferno são os outros, nesse meu romance quase-sartreano.

O resultado disso é que sou moralmente obrigado ao levar os três à peça. Pior, meu orgulho me obriga a pagar os ingressos dos dois intrusos sem que eles percebam que não se tratava de uma entrada gratuita. O fato de eu ser amigo daquele que controlava a entrada das pessoas foi primordial para esse singelo sigilo. Faz parte do meu Código Nietzschiano de Honra.

Assistimos ao espetáculo que deveríamos ver juntos (e de preferência abraçados) separados pelos dois. Meu ódio só aumenta pelo fato de, após o espetáculo, ela sempre evitar ficar ao meu lado, sempre evitar o meu possível toque, meu possível carinho. É impossível não lembrar-se de Sartre novamente, quando ele diz que o desejo se exprime pela carícia, como o pensamento pela linguagem. Nem carinho, nem muitas palavras. Nem meu desejo, nem meu pensamento são contemplados com uma migalha de qualquer coisa que venha a lembrar satisfação. Matem-me, por favor!!!

Vamos para um bar na Rua da Moeda, ouvir um blues e, de alguma forma, anular meus novos inimigos, entre eles, o meu amor. Sem sucesso. Assim segue-se a noite, um martírio sem fim. Depois de tentativas tolhidas, fica óbvio que ela quer a minha distância e eu a dou, com todos os requintes de mágoa que alguém poderia sentir. Chega o momento em que começo a dar gargalhadas, as Macambúzias Gargalhadas do Ego Ferido, o primeiro sinal de que estou me desesperando. Controlo-me, porém, em minhas reações, exceto quando ela me pergunta se está tudo bem. Tudo tem limites... Paciência, inclusive!

Estou em minha segunda carteira de cigarro (“eu que não fumo, pedi um cigarro”), bebo doses e mais doses de cachaça para esquecer o que está acontecendo. Estou tentando ser simpático com o tal rapaz (apesar de não ser tão bom ator, nem dentro, nem fora dos palcos). Estou encurralado por pessoas querendo reprimir o meu desejo. Enfim, estou tomando no centro de meu cu e ela vem me perguntar se está tudo bem?

Respondo a pergunta da branquinha de forma completamente (e surpreendentemente) irônica. Respondo-lhe perguntando (ou pergunto-lhe, respondendo): “Como é que não poderia estar tudo bem? Uma boa música, gente bonita conversando à mesa... Enfim, como não poderia estar tudo bem?”. C’est fini!

Graças a Deus, pouco tempo após minha reação à pergunta idiota, ela vai embora juntamente com os dois. Antes disso, o amigo que eu havia encontrado no shopping aparece, senta-se um pouco, conversa comigo durante um tempo, diz que havia fumado um baseado e que aquilo não o havia feito muito bem. Ambos procuramos prazeres que, na verdade, acabaram com nossas respectivas noites. Mais uma peça pregada pela Soberana Coincidência Atemporal Murphyana.Conversamos um pouco sobre coisas de nossa vida profissional, conto-lhe, por alto, o que está acontecendo naquele momento, o calvário ao qual estou sendo submetido por aquelas três criaturas, dois demônios e uma anjinha demoníaca.

Pouco tempo depois, ele vai embora, mas antes comenta que a mesa esta muito “baixo-astral”. Sou obrigado a concordar em número (cinco ao invés de dois), gênero (uma lésbica, um pansexual, dois homens heterossexuais e uma moça desejada por todos à mesa) e grau (de emputecimento de minha parte, no caso).  A mesa era o Supremo Quadrilátero Baixo-astral Recifense. A verdade é que vivemos num mundo cheio de “Baixo-Astrais” onde faltam “Super-Xuxas”. Ela é a minha “Super-Xuxa”, com seu loiro pintado de acaju. Mas hoje ela é a vilã da história. Hoje eu sou o Príncipe Desencantado, o ódio em pessoa física, jurídica e espiritual. No final desta fatídica noite, nem o Petit Gateau do Amor que eu fiz com que minha nova musa provasse, ela deixou que eu pagasse. Uma noite completa!

O mais triste é que a banda que estava tocando blues ali, naquele bar, era composta por músicos amigos meus que já tinham, inclusive, tocado comigo. Além disso havíamos feito um acordo, quando eu desse o sinal, todos começariam a tocar “Fly me to the Moon”, de Frank Sinatra, e eu cantaria, olhando nos olhos dela, oferecendo a tal música para ela.

No intervalo, eu recitaria o seu cordel, aquele que eu havia feito inspirado e dedicado a ela, depois comeríamos o tal petit gateau, o mais delicioso da cidade, segundo meu julgamento. Seria um golpe de mestre, caso ele fosse concretizado, caso não fossem os dois desagradáveis intrusos. Estou aqui, sozinho, esperando os meus amigos terminarem de tocar, guardarem os instrumentos, para comermos algo e irmos embora. Saindo de lá, vou para a casa dos meus pais. Num estado de desesperança de dar pena. 

(continua...)

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