sábado, 11 de dezembro de 2010

Memórias de Um Amnésico Quase Recifense: Cap I - Tempo de Mudanças (Parte 4)

MATUTINHO: Vamo, Giovanni! Só uma pelada... não vai matar ninguém!

GIOVANNI: Eu não vou, Matutinho... quero ficar em casa!

MATUTINHO: Eu juro que toco a bola pra você, desce aí, cabra!

GIOVANNI: Eu já disse que não vou, além do mais, eu não iria jogar no seu time.

MATUTINHO: Já sei...

NARRADOR: Já sabe?

MATUTINHO: Você tá com raiva de mim porque uma certa menina tem saudade de mim e não de você...

NARRADOR: É nessas horas que você se lembra que mora num prédio onde não existe um sistema eficiente de segurança da informação...

GIOVANNI: Você tá doido!

MATUTINHO: Acho que quem tá doido é você... doido por uma certa menina... deixa eu lembrar o nome...

NARRADOR: Não fale...

MATUTINHO: Acho que o nome dela começa com “C”...

NARRADOR: Não fale...

MATUTINHO: Depois vem o “A”...

NARRADOR: N-ã-o f-a-l-e...

MATUTINHO: Calma, calma... você acha que eu sou doido pra dizer bem alto que você é afim de Carol???

NARRADOR: Qual? Aquela que acabou de chegar e ouvir tudo?

GIOVANNI: Eu te odeio, Fernando! Quero que você morra!!!

NARRADOR: É isso... minha vida amorosa arruinada por um cara dois anos mais velho do que eu, que não sabia usar a maldita língua que possuía. É, vale salientar que eu ainda não sabia que pra se beijar usa-se, também, a língua. O fato é que o odiei naquele momento como eu odiava a minha mãe quando ela me dava as suas surras sem fim ou fazia seus trocadilhos infâmes. A conseqüência disso foi que, naquela semana, eu fiz de tudo para me tornar invisível, troquei de cadeira com um amigo meu, me escondi no banheiro na hora do recreio, e, quando a coisa parecia sair do controle, decidi fingir que estava doente. Levei outra surra quando minha mãe descobriu, mas as dores do corpo compensavam o meu coração e a meu ego poupados. Até que, uma semana depois, a campanhia toca...

GIOVANNI: Carol? O que você tá fazendo aqui?

CAROL: Você tá bem, Giovanni?

GIOVANNI: Mais ou menos? O que você tá fazendo aqui?

CAROL: Vim saber como você tava, fiquei sabendo que você tava doente...

GIOVANNI: É, mas não vou morrer, não... relaxe! Mais alguma coisa?

CAROL: Não... na verdade, sim! Eu queria te dizer uma coisa...

NARRADOR: Que morreu de rir com a notícia dada pelo “muy amigo” Nandjinho e que eu perdi o seu momento de...

CAROL: Senti saudade de você hoje!

NARRADOR: Como assim, saudade?

GIOVANNI: Como assim, saudade?

CAROL: Saudade, ora...

GIOVANNI: Como a que você sentiu por N-a-n-d-j-i-n-h-o?

CAROL: Não... uma saudade diferente.

NARRADOR: Como assim, diferente?

GIOVANNI: Como assim, diferente?

CAROL: A saudade que eu sinto por ele é de colega...

NARRADOR: E a que sente por mim é de que? De vizinho?

CAROL: A saudade que eu senti hoje por você é diferente...

NARRADOR & GIOVANNI: Sei...

CAROL: Não sei como te dizer... é algo que eu nunca senti...

NARRADOR: Como assim, nunca sentiu?

GIOVANNI: Como assim, nunca sentiu?

CAROL: Acho que eu gosto de você!

GIOVANNI: Olha, Carol, eu também gosto de você, mas...

CAROL: De verdade... eu gosto de você de verdade.

NARRADOR & GIOVANNI: Como assim, de verdade?

CAROL: Você deve estar achando que eu sou doida, mas depois que Nand... ops, Matutinho disse aquilo, eu não parei mais de pensar em você. Você é legal, bonito, e é baixinho, do jeito que eu gosto...

NARRADOR: Do jeito que ela gosta?

CAROL: Além do mais, é um bom companheiro e eu adoro ficar junto de você, mas só percebi isso nesses dias que ficamos afastados.

NARRADOR: Acreditem, já estávamos conversando a quase duas horas...

GIOVANNI: Acho que entendo... mas isso quer dizer que você... você quer...

NARRADOR: Eis que, para estragar tudo, surge a minha mãe, junto com o meu pai. Porém ambos estão com uma cara triste e abatida como poucas vezes eu havia visto.

MÃE: Giovanni, você tá bem?

GIOVANNI: Claro que sim, mainha... porque?

MÃE: Nunca mais eu quero ver você jogando bola por aí viu?

GIOVANNI: Como assim, mainha? O que foi que eu fiz?

NARRADOR: Eis que ela me abraça e começa a chorar...

MÃE: Aquele seu amigo, Fernando...

GIOVANNI: O que tem ele, mãe? O que foi que ele disse?

MÃE: Não disse nada...

PAI: Nem vai dizer...

MÃE: Filho!!!

NARRADOR: Naquele momento passou algo estranho pela minha cabeça. Meu pai havia feito uma piada, mas não abrira um mínimo de sorriso. A reação da minha mãe havia sido agressivamente estranha... não que ela não fosse estranha e agressiva normalmente, mas naquele momento foi diferente, me veio um pensamento... mas não... não em meu bairro, não com ele, não com...

MÃE: Fernando morreu há uma hora, meu filho.

CAROL: O quê???

MÃE: Gangrena na perna, semana passada ele estava jogando bola e se machucou. Por algum motivo ele não cuidou e deu nisso, ele morreu no hospital agora a pouco e os parentes dele me ligaram avisando. Eu sinto muito.

PAI: Lamento, filho. A vida é assim!

CAROL: Como assim, morrer? Não se morre novo assim? Como assim, morrer???

(continua...)

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