quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Amor de Mordaça: O Encanto (Fragmento I)


Ali está ela. Uma moça estranha, branca, fria e com reações faciais insuportavelmente lineares. Lembra-me um cadáver ambulante, exceto pelos olhos esbugalhados que parecem assustados o tempo inteiro. Talvez ela tenha morrido de susto nesta ou em outra vida.

Não sofro de necrofilia, mas sinto-me atraído por aquela garota sentada no corner direito da sala onde assisto uma disciplina de dramaturgia. Sinto-me impelido a escrever algo para ela, algo para tentar abrir um sorriso no rosto dela. Na verdade, desejo provocar qualquer reação nessa moça estranha. Nessa moça estranhamente bela. Estranhamente triste.

Quando a cito como sendo a mulher mais bonita da sala, metade discorda, achando ela bonita, mas nem tanto, metade discorda de forma veemente, sequer achando-a bonita. O professor, inclusive, me diz que ela mais parece uma lesma morta. Pois é, ela pode ser tudo isso que digo e dizem, mas ninguém está apaixonado por ela como eu estou.

Sinto uma vontade inexplicável de fazer dessa moça, aparentemente pacata, fria e distante, a mulher mais feliz e mais radiante desse Planeta de Terceiro Mundo, ao ponto de ninguém duvidar de que ela não é uma pequena assombração camarada (camarada, mas provavelmente não-comunista) a assombrar o centro de artes e comunicação.

Fazê-la feliz seria, acima de tudo, uma boa ação. Não quero, com isso, dizer que eu faria tudo o que pretendo por uma questão de pena, mas, sem dúvida, eu receberia alguns pontos extras na luta em prol de ir para o paraíso após a minha morte, fazendo essa moça feliz. Quem sabe até se essa é a mulher da minha vida, a minha tão procurada “Chacrete Espacial”, escondida por debaixo dessa Pequena Sibéria Existencial?

Acabo descobrindo que ela tem o mesmo nome da minha ex-mulher. Mais um ponto a menos. Estranhamente, minha atração se dá em relação a uma mulher que, definitivamente, não faz o meu tipo. Gosto, basicamente, de dois tipos de mulheres: Italianas (com narigão e tudo) e morenas parecidas com índias.

Uma italiana cor de canela, com cabelo lisos (mas sem o narigão) seria o meu sonho de consumo. Ela mais me parece uma estadunidense nerd sequelada por cocaína estragada (principalmente quando ela abre seus enormes olhos). Ainda por cima, seu queixo, um pouco mais alongado que o normal, em seres humanos, lembra muito o do grande “Marv” de “SinCity”.

Conheci poucas como ela e nunca senti o mínimo de atração por nenhuma delas, principalmente as queixudas. Na verdade, eu nunca fui muito chegado em brancas, apesar de, por uma ironia do destino, entre as minhas relações, as únicas que tive com morenas, haviam sido minha ex-mulher e uma louca aí.

Tudo bem, eu era apaixonado, em minha infância, pela garota que interpretava “Punk, A Levada da Breca”. Sim, ela era branca, estadunidense, mas não possuía uma feição sequelada, muito menos olhos e queixos tão grandes. Para falar a verdade, ambas não têm nada a ver uma com a outra, é apenas para exemplificar que, ao contrário dos negros, eu não sou racista.

Apesar de tudo, eu não consigo deixar de achar a tal branquinha queixuda especialmente linda. Seu andar é o mais charmoso que eu já havia visto. Seus seios, entre o pequeno e o médio, são aparentemente lindos, assim como seu bumbum empinado, porém discreto, talvez o mais bonito da face da terra. Mesmo assim, achando ela charmosa, eu continuava a me estranhar. Principalmente pelo fato de que, pouquíssimo tempo atrás, eu estava me relacionando com a (quase) morena dos meus sonhos, só faltava ser italiana e mentalmente saudável.

Seus olhos esbugalhados, com o tempo, passam a não sair mais de meu pensamento, de meus sonhos, mas a aproximação é algo que, incrivelmente, me causa pavor. Nunca tive medo de errar, sempre pus a faca entre os dentes e parti em busca daquilo que queria, e eu já tenho a certeza de que a quero, talvez mais do que qualquer outra em minha vida. Ainda não a amo, e amo amá-la. Estou, eu, consumido pelo desejo secreto do amor, e, talvez, me culpo por não me sentir ainda mais devorado. Tudo me parece novo e, assim como ela, estranho.

A questão é que com ela é diferente, com ela toda ação de aproximação me traz um temor Hithcockiano, as palavras tomam o sentido contrário: ao invés de saírem quentes pela minha boca, descem geladas para meu estômago. Parece que vou ser o último a fazer a cobrança numa decisão por pênaltis de uma final de Copa do Mundo toda vez que chego perto dela. Pior, tenho quase certeza de que o goleiro vai defender. Mas como eu nunca perdi um pênalti na vida, decido insistir, apesar do medo que me consome.

(continua...)

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