terça-feira, 30 de novembro de 2010

Amor de Mordaça: O Encanto (Fragmento II)


Minha decisão foi tomada, irei à luta! Durante um exercício da disciplina onde estudamos juntos, escrevo um texto de cinco frases fazendo uma descrição dela, de uma forma meio realista, meio poética. Não preciso dizer que utilizei adjetivos bem mais suaves do que aqueles dos quais que me vali até agora. Escrevo: “Branca, não sei se de neve ou de coco, seu nome me lembra pensão. Sua calça jeans se encaixa bem em seu franzino e belo corpo. Sua camisa, da cor de burro quando foge, se encaixa igualmente bem. Seus olhos lindamente redondos parecem pedir algo. Seus cabelos pedem um cafuné, e sua textura lisa e sedosa torna-se um irrecusável convite.” Ui!

No momento de entregar é que eu percebo a minha situação. Na saída da aula, ela se senta na escada que fica de frente ao corredor, minha espinha arrepia-se, as minhas pernas tremem e minha barriga deixaria uma dúzia de cervejas na temperatura ideal para o consumo. Decido ser rápido, digo-lhe, quase gaguejando, que escrevi algo para ela, entrego-lhe o pedaço de papel com o tal texto, simulo uma pressa e vou embora, antes mesmo que ela tenha tempo de ler. Graças ao Bom Pai Celestial dos Tímidos Desesperados e/ou Cagando-se de Medo, saio desse momento sem ser vitimado por uma uma parada cardíaca. Chego, contudo, na frente do prédio onde estudamos com as pernas bambas e com o suor frio. Finalmente, sento-me no chão e me pergunto: o que está acontecendo comigo?

Espero o seu retorno. Mentira, eu vou em busca do retorno através da “grande rede”. Consigo trocar palavras com ela via internet, depois de uma busca de quase cinco horas num site de relacionamentos, sem nem saber se ela possuía um perfil no mesmo. Percebo que uma aproximação feita pessoalmente torna-se um pouco complicada. Eu sempre fui tímido, mas eu combatia minha timidez com uma cara-de-pau poucas vezes registrada na história da humanidade e/ou da literatura. 

Pela internet, ao contrário da vida real, consigo tecer alguns pequenos diálogos e, assim, me aproximar um pouco mais. O fato de eu achar que ela é apaixonada por um dos rapazes que conosco estuda me faz sentir um medo estranho, o medo de não conquistá-la. Mas ela é só uma garota, por qual motivo não conquistá-la seria motivo para um temor desta magnitude? 

O fato é que, depois de muito gelar, tremer e bambear, consigo convidá-la para um encontro. Antes disso, a inspiração causada por ela, juntamente com algo que eu não sabia mais explicar o que era, me faz escrever um cordel inteiro, isso mesmo, um cordel inteiro completamente dedicado e inspirado nela, algo saído de minhas entranhas, possuídas pelo encanto gerado por esse ser que começa a me tirar o sono.

Chega o dia de sairmos, um pouco antes ela me avisa que levará uma amiga (adianto que tempos depois descubro que trata-se de uma lésbica completamente apaixonada por ela) e que ela passará o tempo todo conosco. Um balde de água fria em minhas pretensões, mas decido encontrar saídas para esse pequeno contratempo ao invés de ficar a lamentar. 

É bem verdade que esse encontro só ocorrerá por eu estar ensaiando uma peça a duas esquinas de onde ela toca maracatu juntamente a um grupo de percussionistas. Estamos montando “Tristessa” de Jack Kerouac. 

Faz um bom tempo que não atuo num nível como o que sou obrigado a atuar para estar à altura de meus companheiros de peça. Além de tudo, me aprofundo em minhas leituras da “Geração Beat”, que eu conhecia muito superficialmente, para compor o personagem que eu irei interpretar. 

A história contada por Kerouac é basicamente autobiográfica, falava de suas andanças pelo México e de sua paixão platônica por “Tristessa” que, na vida real, chamava-se “Esperanza”. 

Ironicamente, eu estava no limiar entre uma e outra. Eu não estava lá muito bem, minha última relação havia me dado bastante esperança, mas acabou me deixando com a tristeza. Já a minha atual atração pela branquinha, completamente sem precedentes, diga-se de passagem, também me deixava nessa dicotomia. Eu não sentia uma reciprocidade àquilo que eu demonstrava timidamente. Isso, obviamente, me deixava triste. Mas ela não havia fugido ainda, isso me deixava esperançoso. 

(continua...)

Nenhum comentário:

Postar um comentário